Uma pequena viagem à Turquia

Para mim, a Turquia era um país que passava relativamente despercebido. Sempre gostei de história, e se de facto já lera sobre a Anatólia (a região peninsular onde a Turquia se encontra), nunca reparei no grande número de civilizações que ali se cruzaram. Coração de três Impérios: o Hitita (há 3000 anos), do Império de Bizâncio (entre o século V e 1453), e o Império Otomano (desde 1453 até 1918)

Istambul

O ponto de partida foi Istambul, a antiga Constatinopla (ou ainda a mais antiga Bizâncio). São 14 milhões de pessoas e milhares de anos de História (com o H bem grande) que se cruzam entre o Bósforo, a Europa e a Ásia.


Uma panorâmica do Bósforo.

A Turquia é um país muçulmano mas sem exageros (como é rapidamente salientado, um turco pode ser muçulmano, mas não é árabe). Graças ao fundador da Republica, Mustafa Kemal Ataturk (observa-se por todo o país uma veneração por este homem que nasceu em 1881) o país ocidentalizou-se e tornou-se num Estado laico. Isso observa-se principalmente nos centros urbanos, onde as mulheres vestem-se à ocidental, as mesquitas não são paragem obrigatória 5 vezes por dia, e a bebida nacional, o Raki (na verdade, o i não tem ponto e lê-se Rake) é uma bebida alcoólica à base de anis.

Istambul, a única cidade entre dois continentes, não podia deixar de ser uma encruzilhada de culturas. Essa intersecção encontra-se facilmente na igreja/mesquita mais conhecida do Mundo, Santa Sofia (Hagia Sofia). A igreja original é do Século IV, mas foi reconstruída pelo Imperador Romano, Justiniano, em 530. A dimensão da construção é monumental, tendo em consideração a sua idade, ainda é uma das maiores do mundo!


O interior de Hagia Sofia. Entre a Virgem Maria, os selos de Alá e do profeta Maomé (esq.).
A  abódada(à direita) está sustentada por uma estrutura moderna para não cair.

Na frente da Santa Sofia, encontra-se a Mesquita Azul, construída pelo sultão Ahmet em 1606 para ser maior, mais bonita que a primeira, num claro simbolismo das tensões entre as duas Religiões que há tanto se defrontavam. Ainda hoje, numa dada altura do ano, há uma festa onde os muçulmanos se reúnem entre os dois monumentos e exortam essa diferença.


No quadro verde, encontra-se a frase mais importante do Islão: "Alá é o único Deus e Maomé o seu Profeta"

Dentro da Mesquita azul, podem rezar mais de 10.000 pessoas ao mesmo tempo! Esta mesquita é a única no Mundo com 6 minaretes (o minarete é - ou era, porque agora existem altifalantes - onde o sacerdote chama os crentes para rezar). Ao que parece, o Sultão queria construir minaretes de Ouro (!) mas o arquitecto resolveu a questão construindo seis minaretes (porque a palavra seis é semelhante à palavra Ouro, em Árabe). Estas histórias parecem-me sempre demasiado simples, mas aqui fica o registo.

Curiosamente, entre a Mesquita Azul e Santa Sofia, há um local chamado Hipódromo, local antigo de um hipódromo romano, onde foi colocado um fragmento (20 metros dos 60 metros originais!) de o que foi um enorme obelisco Egípcio, vindo de Karnak, nos típicos assaltos históricos de antigamente... 


O Obelisco de Teodósio

Mas se os Monumentos representam o Passado, o Presente está cheio de vida nas avenidas, ruas e ruelas de Istambul. Onde regatear é quase uma exigência, os mercados de especiarias, tapetes, chás e afins estão repletos de turcos e - pelo menos no Verão - de turistas! O Mercado Egípcio (mais para os locais) e o Grande Bazar (para turista, i.e., onde os preços são pornograficamente inflacionados) são formigueiros de actividade.

 
O Mercado Egípcio (esq.) e o Grande Bazar (dir.) ao que parece um dos maiores do mundo, com mais de 3000 lojas, um labirinto onde é bastante fácil se perder.

Por falar em comprar, outra coisa curiosa na Turquia, é a moeda, a Lira Turca. Um Euro é equivalente a cerca de 1.600.000 liras turcas!! Ou seja, quem quer passar por lá, convém desenferrujar a aritmética. Por outro lado, em todo o lado aceitam-se Euros. Para falar a verdade, há lojas que têm os preços somente em Euros, e torcem o nariz à vista dos milhões.

Ankara

O segundo ponto de visita foi Ancara (que em Turco se diz Anka-ra). A capital da Republica é uma cidade mais pequena que Istambul, mesmo assim é cerca do dobro de Lisboa. Sem grandes atracções, a cidade orbita à volta do túmulo de Ataturk.

Ataturk foi responsável, entre outras coisas, por laicizar o Estado (separou-o da Religião), adoptar um alfabeto latino (como curiosidade, a linguagem falada na Turquia, o Turco - falado por cerca de 200 milhões de pessoas - é uma língua da família Ural-Altaica, onde se incluem o Mongol, o Húngaro e o Finlandês), começou o uso do calendário Gregoriano (antes era usado o calendário Árabe, que se baseia na Lua e tem menos onze dias que o nosso, o que é uma complicação, todos os eventos astronómicos "deslizam" 11 dias ao longo de cada ano), deu direito de voto e de eleição às mulheres e introduziu a monogamia... De facto, estas alterações permitiram à Turquia tornar-se num país moderno, sem o peso medieval das tradições passadas, que ainda se verificam em muitos dos países Árabes. Outro legado deixado por este homem foi a transformação de um império Otomano agressivo para uma nação razoavelmente pacífica. Se olharmos para a posição estratégica da Anatólia, isso pode vir a ter (a longo prazo) uma importância muito relevante para o futuro da Europa e do Médio Oriente.

Se compararmos este comportamento com um dos últimos sultões do Império (não me lembro do nome..) que para construir um palácio novo (tendo já dúzias de palácios) gastou 14 toneladas de Ouro e 40 e tal toneladas de Prata, endividando a Nação até aos anos 1950s, podemos compreender um pouco melhor a dedicação do povo turco a Ataturk.

Outro local interessante de Ancara é o Museu das Civilizações Anatólicas, onde se encontram vestígios pré-históricos e das civilizações da Antiguidade. Algumas fotos:


Uma deusa mãe do Neolítico


Deus Hitita (cerca de 800 ac)

 
Um leão em estilo Neo-Hitita

Anatólia Central

Nos caminhos menos civilizados da Turquia, encontra-se um misto de História e Natureza que torna esta região bastante aliciante para se conhecer. Se o Mar Morto é muito salgado, o quarto maior lago salgado do Mundo (que se encontra no centro da Turquia), no Verão, é praticamente 100% sal! É uma experiência invulgar caminhar por cima de um lago!


A branca superfície de um lago morto. Os pontos à direita são pessoas.

Na estrada encontram-se velhos refúgios chamados as Pousadas das Caravanas. Objectivo? Servir de abrigo às caravanas da Rota da Seda. As imagens que se seguem são de uma pousada de cerca do ano 1250 dc. Há um letreiro que informa que Marco Polo tinha um quarto ali (pois pois). Esta actividade comercial entrou em declínio séculos mais tarde, sendo Portugal e os Descobrimentos, o principal motivo para tal.

 
O exterior e o interior de uma das Pousadas das Caravanas.

Como disse, a Anatólia Central possui muita História e Natureza, por isso é natural que por vezes elas se confundam, como a fortaleza de Uçhisar:


Os pontos negros nas montanhas indicam portas e janelas de uma complexa estrutura construída pelo Homem.

Estes montes pontiagudos formam uma paisagem bizarra que se estende por quilómetros, guardando desde pombais (com o propósito de juntar estrume para o cultivo), até igrejas antigas e cidades monásticas.


Uma casa com acessos complicados...

O Mundo Grego-Romano

O Império Hitita governou na Anatólia durante vários séculos, desde cerca de 1525 ac até 1200 ac.. Juntamente com os Egípcios (com os quais assinaram o primeiro acordo de paz registado na História) e os Babilónicos, eram as grandes forças militares e culturais da época. Posteriormente foram subjugados pelos Assírios (que séculos antes foram os mesmo que lhes tinham dado a escrita). Seguiram-se uma série de povos até Alexandre o Grande ter conquistado a Anatólia. Depois de Alexandre, o Reino de Pergamo e os Jónios (gregos fugidos de invasões bárbaras na Grécia) foram o centro de muita da actividade cultural que muitas vezes associamos à Grécia (como o grande sábio Tales de Mileto). Quando o último rei de Pergamo morreu, deixou o seu reino como herança para o Império Romano (possivelmente uma decisão sábia, por estes últimos deviam conquistá-los na mesma...)

Observam-se imensos vestígios destas culturas na Turquia. Em Pammukale, podem-se ver estruturas calcárias que criam piscinas naturais e que serviam de termas (hoje em dia, estão fechadas porque a poluição causada pelos turistas ameaçou destruir o local...) 

Perto de Pammukale, uma antiga cidade, Hierapólis:


um túmulo da necrópole de Hierapólis

Mas os vestígios arqueológicos mais espectaculares encontram-se em Éfeso, um importante porto da Antiguidade que chegou a albergar 200.000 pessoas! Hoje em dia, o mar encontra-se a mais de 8 Km de distância.


A avenida principal da cidade.


O Teatro com capacidade para 24.000 pessoas!


A biblioteca da cidade. Nas paredes, as quatro qualidades:
a sabedoria, a virtude, a inteligência e o conhecimento.


Um detalhe da estátua da sabedoria (SOFIA)


Um rosto impassível aos Séculos

Quando se passeia por Éfeso observa-se as colinas cheias de vegetação e pedra. À vista de todos estão quarteirões inteiros da cidade à espera para serem estudados. Um sonho para qualquer arqueólogo!

Em conclusão...

... terminada a viagem, começou a minha fase das memórias. Estas foram algumas das impressões e imagens que recolhi nesta viagem. Aconselho vivamente a fazerem uma excursão planeada à Turquia e não a se aventurarem sozinhos pelo país.  O país é bastante grande e se nas cidades é fácil encontrar quem fale uma língua ocidental, o mesmo não se passa no interior.